Vamos esclarecer no presente artigo se ainda é possível realizar o pedido judicial de revisão do FGTS, porém, antes de adentarmos nessa questão, abordaremos as regras aplicáveis ao FGTS, assim como as recentes decisões do STF e STJ a respeito do tema.
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, criado em 1966 pela Lei nº 5.107, mas atualmente regido pela Lei nº 8.036/1990, é uma conta aberta diretamente pelo empregador para o empregado. Sua principal utilidade é proteger os colaboradores nas hipóteses de demissão sem justa causa, correspondendo à ideia de uma poupança extra aos funcionários celetistas para sobrevivência no período de desemprego.
Os trabalhadores possuem o direito à saque do FGTS em 40%, ou podem utilizar este saldo com o rol de possibilidades exibidas na Lei º 8.036/1990, em seu artigo 20, dentre elas se destacando as mais comuns, que são:
- aquisição da casa própria;
- doenças graves;
- projetos de saneamento básico;
- aposentadoria.
Um fato novo apresentado aos empregados brasileiros é a liberação do saque do FGTS no caso de demissão durante a crise do Coronavírus, desde que respeitados alguns requisitos, os quais veremos adiante.
A revisão do FGTS, permitida aos trabalhadores com registro em carteira e aposentados, e ainda, aos trabalhadores avulsos, rurais, temporários, entre outros, corresponde à ação apresentada contra a Caixa Econômica Federal para pedir a restituição dos valores devidos de FGTS, se calculados por índice diverso à Taxa Referencial – TR.
Os registros na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS a partir de 1999 permitem o pedido de revisão do FGTS por causa da utilização da Taxa Referencial – TR como índice de correção dos valores pertinentes ao FGTS, uma vez que a TR não acompanha a inflação do país, estando totalmente desatualizada monetariamente.
A diferença de rendimentos entre a TR e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, por exemplo, é gigantesca, resultando em variações de 48% a 88% ao longo dos períodos.
Por se tratar de tema que reflete diretamente nos cofres públicos, a revisão do FGTS foi alvo de discussões do STJ e do STF, e atualmente encontra-se com pauta paralisada, ou seja, pendente de julgamento final.
A principal discussão, portanto, está na aplicação da TR ou do INPC para a realização dos complexos cálculos do FGTS de cada trabalhador, com o intuito de corrigir as defasagens dos valores e consequente acompanhamento da inflação do país, seja para valores depositados em conta ou sacados.
A revisão do FGTS, que visa corrigir os valores e implementar os respectivos juros nos débitos trabalhistas, e discutida no STF, é influenciada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF com pedido de continuidade de aplicação da TR nos processos desta natureza, a par das determinações definidas pela Reforma Trabalhista, negativamente vista pelos empregados sobre sua forma de minimizar direitos aos trabalhadores.
O Recurso Extraordinário nº 611503, interposto pela Caixa Econômica Federal contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 3º Região acerca da alteração de índice para revisão do FGTS foi o principal motivo do envolvimento dos tribunais superiores, pois diante do reconhecimento do INPC, as ações de revisão do FGTS podem sofrer o denominado efeito multiplicador, ou seja, uma única decisão do STF reflete a todas as causas semelhantes, o que pesaria drasticamente para a Caixa.
Quem terá direito à revisão do FGTS?
O direito à tese da revisão do FGTS é para qualquer trabalhador brasileiro com contrato de trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e que possua saldo no Fundo a partir de 1999.
Cerca de 30 milhões de trabalhadores que já sacaram o FGTS e aposentados podem entrar com a ação de revisão para obter a restituição dos valores pagos a menor, uma vez que tal revisão não ocorre automaticamente.
A variedade de valores da revisão depende das quantias depositadas no FGTS, podendo alcançar o patamar de 88,3% de correção.
Os documentos necessários para que trabalhadores e aposentados entrem com a ação de revisão na Justiça Federal são:
- Cópia do Documento de Identidade;
- Cópia do CPF;
- Comprovante de Residência;
- Cópia da Carteira de Trabalho que apresente o número do PIS;
- Extrato do FGTS disponibilizado pela Caixa Econômica Federal a partir de 1991 do trabalho com carteira assinada.
A não recomposição do valor da inflação do período compreendido entre 1999 a 2013 evitou ganhos expressivos dos trabalhadores, e estes que receberam as indenizações de 40% em virtude de demissões sem justa causa pode ter o percentual dobrado após ser recalculado.
A TR, que não representa o índice de inflação, causou a perda de R$ 128 bilhões aos trabalhadores entre os anos de 2003 a 2013, se comparado ao IPCA, com percentuais em 2,10% em 2012 a 0% em 2013.
Decisão do STJ
Em primeira instância os juízes estavam julgando favoravelmente a revisão do FGTS para aplicação de outro índice com o objetivo de evitar perda dos valores depositados na conta do fundo que eram corrigidos pela TR.
Na contramão do que estava sendo decidido por diversos Tribunais e Juízes, o Superior Tribunal de Justiça – STJ julgou negativamente aos trabalhadores brasileiros sobre a questão de aplicação da TR às revisões do FGTS. Para ele, somente o Congresso Nacional, que detém o poder de legislar, pode determinar o índice de remuneração das contas do FGTS.
Assim, sabendo que a própria Reforma Trabalhista determina a TR, o Poder Judiciário em nada pode intervir para substituir este índice por outro, o que extrapola a competência da ideia de Justiça.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal – STF, responsável por apreciar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da TR como índice de correção para a revisão do FGTS, já havia previsto data para sessão de julgamento no mês de maio de 2020, mas o processo acabou sendo retirado de pauta.
A declaração de constitucionalidade pelo STF resultará na continuidade da TR como índice de revisão do FGTS, já sua inconstitucionalidade, permitirá a revisão dos valores defasados.
Embora a posição do STJ não seja favorável aos trabalhadores, há esperança de que o STF tenha compreensão diversa, pois recentemente a suprema corte decidiu de forma favorável casos similares.
Um caso julgado pelo STF considerou a inconstitucionalidade de aplicação da TR como índice de correção dos precatórios, espécies de dívidas do poder público resultantes de ações judiciais, tendo por justificativa o desacompanhamento da inflação, o outro, afastou a TR para atualização das dívidas da Fazenda, através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.348.
Se por acaso, o STF utilizar o mesmo raciocínio à tese da revisão do FGTS, muito provavelmente ficará evidente que a TR, por não acompanhar a inflação do país, gera perda financeira e prejudica milhares de trabalhadores.
Por não render absolutamente nada na maioria dos meses, a regra vigente atualmente corresponde à TR mais 3% ao ano, o que gera inconformismo aos empregados que podem procurar advogados ou defensores para a garantia dos direitos trabalhistas, ainda que a ação fique paralisada/suspensa, aguardando solução pelo STF.
Não se sabe ao certo o momento oportuno para que o STF volte a julgar o trâmite da ação sobre a revisão do FGTS, que pode recuperar até 88% do valor perdido, como já mencionado.
Por influência da Consif, e da Confederação Nacional da Indústria – CNI, o Ministro Gilmar Mendes decidiu retardar o julgamento, pois uma cobrança mais elevada perante as empresas pode acarretar sobrecarga nas suas finanças e saúde contábil.
Prescrição
As ações de revisão do FGTS não estão prescritas. A decisão do STF, em 2014, alterando o prazo prescricional para 5 (cinco) anos pode ser explicada em benefício dos trabalhadores que pretendam se valer dos meios judiciais para reivindicação de valores.
A decisão do STF, mencionada anteriormente, diz respeito sobre a prescrição de depósito de FGTS não realizados por empregadores e tomadores de serviço, advindos da relação de trabalho do empregado. Logo, a discussão central está na cobrança judicial dos valores devidos dos indivíduos responsáveis pelo depósito do FGTS ao trabalhador, quais sejam, empregadores e tomadores, segundo entendimento firmado pelo Ministro Gilmar Mendes.
O motivo da prescrição descrita acima, não tem relação com a tese de correção do saldo do FGTS a partir do índice da TR, que ainda carece de julgamento pelo STF.
Os trabalhadores que manifestem desejo ao ingresso da ação de revisão do FGTS não podem perder tempo, pois o STF pode modular os efeitos da tese, limitando, inclusive, o direito de recebimento para os trabalhadores com ação em andamento.
Como estão os processos sobre correção do FGTS em todo o país?
Enquanto o STF não decide sobre a correção das contas do FGTS para acompanhar a inflação ao invés da TR, paralisado pelo Ministro Luís Barroso, cerca de 500 mil ações na Justiça estão suspensas.
O pedido de correção dos saldos do FGTS requer a substituição da TR pelo INPC ou IPCA, índices que acumulam alta de 5,07% e 2,76% em 12 meses, respectivamente.
A substituição por um índice inflacionário deixa claro o prejuízo de até 88,3% nas contas do FGTS dos trabalhadores. Para exemplificar este desfalque, imagine que no ano de 1999 um trabalhador tenha R$ 2 mil na conta do FGTS, e que em 2014 ele poderia ter R$ 2.450,00, aproximadamente, se corrigido pela TR. Sendo aplicado um índice diferente, o valor ultrapassa o dobro – R$ 5.100,00.
As ações em trâmite e as novas que serão pleiteadas podem corrigir a injustiça social e representar a inserção de milhões de reais na economia do país.
A TR é o mesmo índice utilizado para atualizar o rendimento das poupanças, mais juros de 3% ao ano. O problema é que, segundo dados fornecidos pelo Banco Central, a TR está zerada, rendendo apenas os juros de 3%. No ano de 2013, por exemplo, a TR ficou em 0,19%, enquanto a inflação do país, devidamente calculada pelo IPCA, 5,91% no ano.
Saque do FGTS em decorrência da pandemia
A pandemia de Coronavírus que atingiu todo o mundo, acrescentou aos brasileiros uma lista de novos direitos e garantias, dentre eles, o saque do FGTS para os trabalhadores que foram demitidos em decorrência da doença.
O delicado período que empregados e empregadores atravessam no país foram agravados a partir da determinação de isolamento social pelo Governo, situação que caracterizou o fechamento de muitas empresas, e consequente aumento dos índices de desemprego.
O Estado de Calamidade Pública, reconhecido por publicação do Decreto Legislativo nº 06, de 2020, e a então Medida Provisória nº 927, também de 2020, dispôs sobre as atuais medidas trabalhistas implementadas pelos empregadores para preservação da renda e do emprego de milhares de trabalhadores brasileiros para enfrentar a crise no país.
O saque do FGTS, todavia, apenas poderia ser levantado nos casos de força maior por decisão judicial, o que retardava o acesso do trabalhador ao dinheiro contido no Fundo.
A Caixa Econômica Federal, sabendo das inúmeras demandas postas ao judiciário neste sentido, emitiu a Circular nº 903, permitindo os saques do FGTS independentemente de decisão judicial, mas limitou o acesso para os empregados demitidos por força maior durante a pandemia.
Empregados demitidos por justa causa, por exemplo, não têm direito ao saque do FGTS durante a pandemia.
Os saques são permitidos diretamente pelo aplicativo do FGTS, e podem ser valores integrais, beneficiando cerca de 96 milhões de trabalhadores.
As contas ativas (emprego atual) ou inativas (emprego anterior) podem ser objeto de saque do FGTS, colaborando com a injeção imediata de R$ 3 bilhões na economia.
Algumas garantias jurídicas implementadas para os trabalhadores que venham a sacar o FGTS merecem destaque, dentre elas:
- movimentações das contas do FGTS e consultas sem cobrança de tarifa, por acesso direto a aplicativo de celular;
- se necessária movimentações dos recursos das contas do FGTS para outros bancos, diversos à Caixa Econômica Federal, vedação da cobrança de tarifas;
- trabalhadores ou seus respectivos dependentes que tenham doenças raras podem realizar o saque da conta do FGTS para caracterização da dignidade da pessoa humana;
- análise direta e imediata dos depósitos efetuados e possibilidade de acionamento para inspeção havendo inadimplência do empregador por serviços digitais;
- verificação das reuniões do conselho administrativo do FGTS por transmissão obrigatória, ao vivo, pela internet.
Considerações finais
A correção monetária do FGTS não pode ocorrer através do índice proposto pela Taxa Referencial – TR, uma vez que ela não possui a capacidade de corrigir a inflação no país. Por isso a discussão de aplicabilidade de outro índice que seja mais benéfico aos trabalhadores.
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi criado pela Lei Federal nº 5.107/1966, e sempre objetivou proteger os trabalhadores demitidos sem justa causa, podendo ser compreendido como uma modalidade substitutiva da estabilidade decenal, promulgada pela CLT.
Após 1966, entrou em cena a Constituição Federal de 1988, universalizando o FGTS e tornando compulsório o depósito correspondente a 8% da remuneração devida ou paga, por iniciativa dos empregadores.
Os valores são depositados no mês anterior, e adiciona na remuneração as parcelas apresentadas pelos artigos 457 e 458 da CLT, além da gratificação de Natal.
Além das legislações ora mencionadas, podemos acrescentar a Lei nº 8.036/1990, a qual estabelece todas as hipóteses de saque das contas vinculadas a cada empregado, ou ainda, ficando constatado o falecimento deste, o saque pelos seus sucessores.
Sabendo que o titular dos depósitos efetuados é o empregado ao pecúlio constitucional, há necessidade de se averiguar suas hipóteses para preservar a expressão econômica desta natureza diante da inflação no país. Nesse sentido, o artigo 5º, XXII, da CF foi pacificado com os entendimentos do STF, através das ADI’s nºs 4357, 4372, 4400 e 4425, além do artigo 7º, inciso III, da CF.
As contas de FGTS ativas entre 1999 e 2013 podem ser direcionadas à revisão dos valores, com aumentos de 48% até 88,3%, mas para ter certeza deste crédito, é necessário entrar com uma Ação de de revisão do FGTS, independente de ser aposentado ou de ja ter sacado o saldo.
A substituição da Taxa Referencial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, em 2019, por reconhecimento unânime de votos do STF, estipulou a ideia de nova correção do FGTS.
Alguns planos econômicos instaurados pelo Governo entre as décadas de 80 e 90 deixavam de aplicar os índices de inflação propositalmente, reduzindo o poder aquisitivo do valor.
Fonte: Saber a Lei